BRINCAR DE BONECA
- Alexandra Mettrau
- 28 de fev. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de mar. de 2022

Nunca gostei de brincar de boneca. Coisa mais chata ficar trocando a roupinha, penteando o cabelo, fingindo que são minhas filhinhas e vou levá-las para passear, ou então que a Susi namorava o Bob. Sim, Susi; na minha infância a Barbie nem sonhava em dar o ar da graça em terra brasilis… De qualquer modo, se ela aparecesse, eu ia achá-la ainda mais entediante que a Susi.
Eu gostava de correr, pular, brincar de pique, bola, polícia e ladrão. Andar de bicicleta, subir em árvore e montar a cavalo. Ir na piscina, na cachoeira, na praia. Tomar banho de mangueira. Tirar leite da vaca e beber, quentinho, no curral. Comer fruta direto no pé: jabuticaba, manga, tangerina, goiaba, pitanga… Hum, água na boca!
Detestava ser vestida de menininha e ter que me comportar. Estar sempre com o cabelo arrumado, de saia ou vestido e não poder tirar a blusa, que nem os meninos, no calor escaldante do verão carioca. Menino pode tudo, pode sentar de qualquer jeito, pode fazer xixi onde quiser, pode ficar de short e sem camisa o tempo todo. Nem tem que se preocupar com nada. Tremenda injustiça!
Dei muita sorte que meu cabelo não embaraça, já viu coisa mais dolorida que ter que ficar quietinha, parada enquanto a mãe penteia e prende o cabelo para você ir toda bonita e comportada de maria-chiquinha, trança ou rabo de cavalo para a escola? O bom é que eu realmente ficava uma graça de cabelo preso e sempre foi muito mais prático, para uma molequinha que nem eu.
Exato: eu era uma moleca! As brincadeiras das meninas eram todas enfadonhas, eu só participava porque queria brincar com as minhas amigas: eu gostava delas e elas gostavam disso. Mas logo eu cansava e ia fazer outra coisa. Ainda bem que eu tinha uma companheirona que estava sempre comigo brincando com os meninos. E como a gente cresce e amadurece mais rápido que eles, éramos sempre respeitadas e chefiávamos a diversão.
Na família do meu pai eu fui a primeira filha, neta e bisneta. Ao meu redor, um primo mais velho e dois mais novos, bem próximos de minha idade, e a vila da minha bisavó. Prato cheio para mim, que queria mesmo era brincar com eles, na rua.
Na família da minha mãe, eu e minhas primas-irmãs, bem da minha idade, éramos as crianças mais velhas e vivíamos na fazenda da avó delas. Elas até gostavam de brincar de boneca, mas eram tão molecas quanto eu. A liberdade e a amplidão da fazenda me deram todo o amor e a coragem que eu tenho em relação à natureza. Confesso que répteis e anfíbios não me atraem muito, tenho uma certa aflição deles e medo de cobra, mas de resto, nunca tive problema em pegar minhoca para colocar no anzol e ir pescar no rio; aranhas e insetos não me assustam, nem mesmo barata, embora, claro, não as ache atraentes, como outros animais. Sempre fico fascinada com determinados mamíferos e não duvido nada que diante de uma onça ou um lobo eu não ficaria hipnotizada, com vontade de acariciá-los, se não fosse perigoso.
Com tudo isso, acho que dei muito trabalho para a minha mãe. Eu tinha a sensação de que ela queria a filha que “toda a mãe quer”: aquela que ela sonhou quando brincava de boneca. A que ia cuidar, vestir, enfeitar e mostrar para todo mundo como é linda e comportada, uma verdadeira princesa! Nem acho que o ideal de filha da minha mãe é tão bonequinha assim, pois, com ela aprendi a ser muito prática e saber, ou, querer saber, me virar. Mas eu lembro que sempre lutei contra a vontade dela de que eu fizesse balé ou atividades de menina, como ginástica rítmica, enquanto o que eu queria mesmo era fazer vôlei e esportes com bola. Lá pelos 11 anos de idade eu cedi e fiz um tempo aula de jazz, mas acho que foi só para ela ficar satisfeita, pois logo depois que eu paguei o maior mico vestida de palhacinha na apresentação de final de ano, dei graças a Deus que acabou e não voltei mais!
Segui sendo a moleca que eu queria. Acho que sou até hoje. Apesar disso, sinto que sou uma alma velha, e deve ser por isso que era tão chato brincar de ser adulta. Também por isso, tive tanta personalidade e determinação desde cedo, sabendo o que eu gostava e não cedendo ao que queriam ou esperavam de mim. E fui muito afortunada de crescer em um meio que me incentivou, ao invés de me tolher, me dando todo o espaço e o tempo para eu me expandir e me expressar.
A liberdade e a leveza desta menina que corria, pulava e subia nas árvores, me salvaram de ser muito séria. E me fizeram rica de criatividade, pois encheram meu baú do destino com ferramentas de viver.
IMAGEM
Berthe Morisot - Little Marcelle
Adorando tudo que escreve, e como me faz reviver momentos tão felizes da nossa infância Muitas lembranças, muita saudade, muitas verdades
Eu sempre fui moleca. Tenho as lembranças da moleque nas minhas pernas, marcadas pelos ralado e arranhões que a vida mé deu. Mas, eu sempre adorei também brincar de bonecas e fazer as roupinhas com retalhos de tecidos que minha avó me dava. E fora eu morar em Santa Catarina, e não no Rio de Janeiro, as atividades de ser moleca foram as mesmas, praticamente as mesmas. Eu sempre achei que tinha uma irmã gêmea, eu brincava disso...
Sobre o post" Brincar de Boneca "me fez lembrar do cuidado, muitas vezes eu achava até excessivo, que seus pais tinham com os filhos. Certa vez em São Pedro da Aldeia você estava sob minha responsabilidade, era adolescente e permiti que saísse com uma galera num pequeno barco à vela. A ida foi super divertida mas na volta faltou o vento e nada de voltarem. Pode imaginar a aflição que fiquei....... mas no final deu tudo certo e acho que foi das primeiras aventuras arriscadas que participou